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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O Velho dos Gelados

Com ternura, só pode ser por isso, a maior parte do pessoal lá da minha zona tratava o fulano por tú:

“ - Oh Velho, hoje não te posso pagar, só para o mês que vem.”. Ou então “- Oh Velho, tens troco para uma nota de quinhentos?”

A resposta era quase sempre a mesma.

“ - Está bem, pagas noutro dia, mas hoje não levas dos gelados mais caros.”.

Bem entendido, esses mais caros eram os da OLÁ.

O Velho tinha sentido de negócio e pragmatismo. Para já vendia fiado o que fidelizava e depois fazia sair os gelados que pior se vendiam – os de gelo aromatizado e as bolas de cone de baunilha que eram compostos no momento.

Tinha também grande sentido de oportunidade

“ – Então hoje não vão jogar à bola?”

“ – às 6, vem cá o pessoal da zona central! Oh Velho, voltas cá hoje?”.

Com aquela informação nem era preciso perguntar, o jogo prometia um bom negócio.

Mesmo correndo o risco de não receber tudo, acabava por ganhar mais do que só vendesse quando houvesse moedas à vista.

Havia sempre alguém que dizia, como se fosse um grande segredo:

“ - Não comas isso que o gajo é que os faz lá no barraco dele. O Velho mora no Camboja. Já vi, aquilo é um nojo.”

Na verdade, visto como se vê hoje, aquilo não era sempre agradável.

O Velho vendia gelados no Verão e castanhas no Inverno, na sua carripana versátil e sem sistema de frio. Quando compunha os gelados de cone de baunilha e uma das bolas sofria o efeito da gravidade, lá ia ele com os seus dedos tentando o desejado equilíbrio.

As suas mãos e unhas ainda tinham a cor e a massa resultante da actividade do último Inverno. E já se estava no Verão, há muito.

Mas o calor e a confraternização através gelado sempre foram sempre mais fortes.

Havia sempre alguém que nunca tinha dinheiro mas isso não inibia de se arranjar forma de alcançar um gelado.

Por exemplo, quando o Velho chegava, quase sempre o M. agarrava-se à velha buzina manual de ar, tocando e esganiçando conforme permitiam as cordas vocais da mesma. Era o grande chamamento e o Velho agradecia compensando-o com gelo aromatizado.

Poucos, mas mais afoitos, executavam manobras de distracção que resultavam quase sempre na entrada dum braço naquelas aberturas da carripana onde se depositavam os gelados. Sem querer, claro!

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